REPORTAGEM

‘Pé de Vento E.C.’: o time de futebol feminino pioneiro que brilhou nos campos de Ubiratã nos anos 1980

Um dos primeiros times de mulheres do Brasil teve a Marta de sua geração, um técnico aguerrido, e esbarrou no preconceito para encerrar as atividades com apenas duas derrotas em mais de 30 partidas.


‘Pé de Vento E.C.’ - Foto: Reprodução/Globo Repórter

Por Globo Repórter
08/07/2023 07h00

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Um dos primeiros times de mulheres do Brasil teve a Marta de sua geração, um técnico aguerrido, e esbarrou no preconceito para encerrar as atividades com apenas duas derrotas em mais de 30 partidas:

  1. Pé de Vento nasceu no começo dos anos 1980 em Ubiratã (PR)
  2. Time era tão bom que vencia quase todos adversários e sofria para encontrar rivais pra enfrentar
  3. Time teve artilheira chamada de "Marta" pelas ex-companheiras
  4. Técnico guardou fotos, recortes de jornal e camisas das ex-atletas
  5. Equipe acabou por preconceito e falta de apoio na metade da década de 1980

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‘Pé de Vento E.C.’: o time de futebol feminino pioneiro que brilhou nos campos de Ubiratã nos anos 1980

Muito antes da ascensão que vive atualmente o futebol feminino brasileiro, um grupo de mulheres desbravava a modalidade ainda nos anos 1980 e, mesmo sem incentivo de grandes financiadores, se tornava um fenômeno local em uma cidade do Sul do país. Tanto pelo nome sugestivo, como pela qualidade das atletas.

O Esporte Clube Pé de Vento Futebol Feminino foi um time de adolescentes formado no início dos anos 1980 em Ubiratã, município no Oeste do estado do Paraná. Amigas apaixonadas por futebol que antes apenas brincavam em campinhos de terra. Mas um dia decidiram se juntar e formar um time.

“Era um campinho de pé de serra e a gente começou ali. Aí quem gostava, começou a ir chegando”,

conta Margareth Possamai, uma das jogadoras daquela equipe, hoje agricultora.


O tempo passou e elas foram ganhando fama. Ainda assim, tinham que continuar lutando contra o preconceito e as dificuldades. Hoje, todas elas lembram com carinho quando promovem reencontros, cheios de emoção – e muito bom humor.

“O nome original é Pé de Vento porque nem sempre se acertava na bola”,

brinca a hoje técnica em jardinagem Nadir Possamai, goleira daquela equipe, que falou com a reportagem do Globo Repórter por ligação de vídeo.

Tonhão, primeiro e único técnico

O que era até então uma brincadeira de um grupo de jovens mulheres começou a ficar sério quando elas decidiram convidar uma pessoa para ser o técnico do time. Antônio Inácio Pinto foi assistir a um treino do Pé de Vento. E gostou do que viu.

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Antônio Inácio Pinto, o 'Tonhão' — Foto: Reprodução/Globo Repórter


“A gente viu o esforço delas, e tudo completamente desorientado. Elas me convidaram para assistir ao treino delas, e eu fui. Aí me perguntaram se eu não queria ser treinador delas”,

relembra Antônio.


Além de técnico, o “Tonhão” fez as vezes de arquivista. Ele quem guardou o máximo possível de registros da história do Pé de Vento. Com ele, se sabe que o time jogou junto 34 vezes. E perdeu apenas dois jogos. E também cuidou dos uniformes das jogadoras. Tão bem que as camisas “encolheram”, segundo elas.

E o treinador Tonhão mostrou ser bom em coletivas: ele exaltou a qualidade de todo o grupo, em detrimento de uma ou outra atleta.

“Eu devo apanhar hoje mesmo. Mas elas mesmas reconhecem, cada uma tinha uma qualidade”,

elogia Antônio.

A Marta antes da Marta

Se Tonhão não quis apontar quem era a melhor jogadora do Pé de Vento, as próprias atletas não hesitaram: Eliana Ribeiro.

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Eliana Ribeiro, a craque do 'Pé de Vento' — Foto: Reprodução/Globo Repórter

Ela, que chegou ao time “por acaso”, foi uma das jovens que ficou mais feliz quando foi convidada para integrar o time mais bem sucedido de Ubiratã.

“Eu tinha muita vontade de jogar, muita. E aí quando surgiu a equipe e elas me chamaram, nossa senhora, foi um sonho realizado! Foi assim, como se fosse um (time) profissional”,

relembra Eliana Ribeiro.


Eliana foi comemorada na chegada ao encontro das ex-atletas do Pé de Vento. Artilheira do time e com gols em praticamente todos os jogos, ela continua vivendo em Ubiratã. Até deu entrevista para um jornal como a “ídolo” do Pé de Vento.

A mulher-gol se emocionou muito ao ver as amigas, que antes da sua chegada, falaram que estava para chegar a “Marta” daquele time.

Exagero delas, não era tudo isso não”,

pontua Eliana, entre lágrimas e sorrisos.

O fim do Pé de Vento

O Pé de Vento foi ficando conhecido. E imbatível: o time chegou a disputar mais de 30 partidas. E perdeu apenas duas vezes.

No entanto, o time começou a esbarrar nas dificuldades. Depois de um certo tempo, o nível delas ficou tão alto que foi cada vez mais difícil encontrar adversárias. Até anúncio no jornal o técnico Tonhão colocava, procurando.

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Notícia do 'Pé de Vento' em um jornal local de Ubiratã — Foto: Reprodução/Globo Repórter

Mas o problema principal foi a falta de incentivo. Que assola o futebol feminino como um todo – pela falta de mulheres a quem enfrentar – e para as próprias jogadoras do Pé de Vento, que queriam alçar voos mais altos, mas esbarraram na impossibilidade de evoluir por puro preconceito da época, que impedia o apoio ao futebol feminino.

Uma das atletas, Fátima Olivares, integrava o Pé de Vento escondida dos pais. Eles a proibiam de jogar futebol - uma história que se repetiu muitas vezes, no Brasil e no mundo.

"Eu saía escondida. Porque diziam que se jogar bola, a moça ficava 'falada'. Aí eu falava que ia em outro lugar, e vinha jogar",

relembra Fátima Olivares.


"O difícil era quando eu machucava o tornozelo, né. Tinha que voltar para casa com o tornozelo inchado. E dizia: 'escorreguei, né. Caí, machuquei'",

explica Fátima Olivares.


Com tantas dificuldades, elas decidiram encerrar as atividades. Quase 40 anos atrás, o Pé de Vento entrou em campo pela última vez. Em 27 de maio de 1984, o time se despediu do estádio municipal de Ubiratã com mais uma vitória: 2 a 0 sobre o Ouro Verde, com gols de Margareth e Leonir. Foi o último ato de um time que fez história na cidade. E foi um foco de resistência de algumas das primeiras brasileiras a jogar futebol contra tudo e contra todos.







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